As três religiões dividem uma fé
inabalável na importância do casamento e da vida familiar.
Elas também concordam na liderança do marido sobre
a família. No entanto, diferenças gritantes existem
entre as três religiões, com relação aos limites dessa
liderança. A tradição judaico-cristã, diferente do
Islam, virtualmente estende a liderança do marido
até o direito de posse de sua esposa.
A tradição judaica, com referência
ao papel do marido em relação a sua esposa, origina-se
do conceito de que ele a possui como sua escrava (19).
Este conceito foi a razão que norteou o padrão duplo
nas leis do adultério e na capacidade de o marido
anular os juramentos de sua esposa. Este conceito
foi também o responsável para se negar à esposa qualquer
controle sobre sua propriedade ou ganhos. Assim que
a mulher judia se casava, ela perdia completamente
qualquer controle sobre sua propriedade e ganhos para
o seu marido. Os rabinos judeus afirmavam que o direito
do marido sobre a propriedade de sua esposa era um
corolário de sua posse sobre ela: "Desde que
alguém entre na posse da mulher não deveria entrar
na posse de sua propriedade também?" , e "Desde
que ele tenha adquirido a mulher, não deve ele adquirir
sua propriedade também?" (20). Assim, o casamento
determinava que a mulher mais rica ficasse praticamente
sem um tostão. O Talmud descreve a situação financeira
da esposa como se segue:
"Como pode uma mulher
ter alguma coisa; o que quer que seja dela, pertence
ao seu marido? O que é dele é dele e o que é dela
é também dele ... Seus ganhos, e o que ela possa encontrar
nas ruas, também são dele. Os artigos domésticos,
mesmo as migalhas de pão sobre a mesa, são dele. Ter
um convidado em sua casa e alimentá-lo é roubar de
seu marido ..." (San. 71a, Git. 62a.).
A questão é que a propriedade da
mulher judia significava atrair pretendentes. A família
judia fixava para sua filha uma quota representativa
do estado de seu pai, a ser usada como dote em caso
de casamento. Era este dote que tornava as filhas
judias um peso inoportuno para seus pais. O pai tinha
que educar sua filha por anos e então prepará-la para
o casamento, providenciando um grande dote. Assim,
a moça na família judia era uma obrigação e não um
direito (21). Esta responsabilidade explica por que
o nascimento de uma filha não era celebrado com alegria
nas antigas sociedades judias (ver a seção "Filhas
Vergonhosas?". O dote era o presente de casamento
apresentado ao noivo sob os termos de contrato. O
marido agia como o proprietário do dote mas não podia
vendê-lo. A noiva perdia qualquer controle sobre o
dote no momento do casamento. Além disso, esperava-se
dela trabalhar após o casamento e todos os seus ganhos
tinham que ir par seu marido, como paga por sua manutenção,
a qual era obrigação dele. Ela poderia ter de volta
sua propriedade somente em duas situações: divórcio
ou a morte do marido. Se ela morresse primeiro, ele
herdaria sua propriedade. No caso da morte do marido,
a esposa poderia retomar sua propriedade de antes
do casamento, mas não se habilitava a herdar qualquer
cota de propriedade do marido falecido. Deve-se acrescentar
que o noivo também tinha que apresentar seu presente
de casamento à noiva, contudo, de novo, ele era praticamente
o proprietário deste presente enquanto eles permanecessem
casados. (22).
O cristianismo, até recentemente,
seguiu a mesma tradição judaica. No império cristão
romano (após Constantino), tanto as autoridades civis
como as religiosas, exigiam um acordo sobre a propriedade,
como condição para o reconhecimento do casamento.
As famílias ofereciam às suas filhas aumento dos dotes
e, como resultado, os homens tendiam a se casar mais
cedo, enquanto que as famílias retardavam o casamento
delas até o máximo. (23). Pela lei canônica, uma esposa
se habilitava à restituição de seu dote se o casamento
fosse anulado, a menos que ela fosse culpada de adultério.
Neste caso, ela perdia seu direito ao dote, o qual
permanecia nas mãos do marido (24). Pelas leis canônica
e civil, uma mulher casada, na Europa cristã e na
América, até o final do séc. XIX e início do séc.
XX, perdia os direitos a sua propriedade. Os direitos
da mulher inglesa, por exemplo, foram compilados e
publicados em l632. Estes "direitos" incluíam:
"Aquilo que o marido possui é seu. Aquilo que
a esposa tem é do marido" (25)
A esposa não somente perdia
sua propriedade após o casamento, como perdia sua
personalidade também. Nenhum ato jurídico dela tinha
valor legal. Seu marido podia repudiar qualquer compra
ou presente feito por ela como sendo nulo de qualquer
valor legal. A pessoa com quem ela tivesse contratado
era tomado como um criminoso por ter participado de
uma fraude. Além disso, ela não podia processar, sequer
seu marido, nem ser processada (26). Uma mulher casada
era praticamente tratada como uma criança aos olhos
da lei. A esposa simplesmente pertencia a seu marido
e, por isso, ela perdia sua propriedade, sua personalidade
jurídica e seu nome de família (27)
Dr.Sherif Abdel Azeem Mohammed